O assunto é o mesmo para todos, mas você deve buscar maneiras de torná-lo mais compreensível para quem precisa
Cinthia Rodrigues (novaescola@atleitor.com.br)
TUBO DE ENSAIO Benjamin participa da prática no laboratório e, na hora da teoria, assiste a vídeos na internet. Fotos: Marcelo Min
Equipamentos necessários instalados, sala de recursos pronta, professor-assistente a postos, estudantes com diferentes desempenhos nas diversas disciplinas. A inclusão está garantida? Não. Independentemente de possuir ferramentas tecnológicas, espaço e estratégias adequados, em alguns casos é preciso adaptar principalmente a essência do que se vai buscar na escola: o conteúdo. O educador tem de refletir com antecedência sobre o tema da aula e as possíveis flexibilizações para permitir que todos aprendam. As exigências na avaliação devem ser tão diversificadas quanto a própria turma.
"É preciso abrir o leque de opções e ferramentas de ensino", diz Maria Teresa Eglér Mantoan, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo. Ela enfatiza que incluir não significa diferenciar uma atividade para os que têm deficiência, mas aceitar e autorizar que cada um percorra seu caminho para resolver um problema, o que significa pensar em alternativas para quem tem dificuldade de percorrer a via tradicional.
"É preciso abrir o leque de opções e ferramentas de ensino", diz Maria Teresa Eglér Mantoan, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo. Ela enfatiza que incluir não significa diferenciar uma atividade para os que têm deficiência, mas aceitar e autorizar que cada um percorra seu caminho para resolver um problema, o que significa pensar em alternativas para quem tem dificuldade de percorrer a via tradicional.
Os que possuem deficiência intelectual percebem quando recebem tratamento semelhante aos demais e se esforçam para acompanhá-los. Na Nova Escola Judaica Bialik Renascença, em São Paulo, Benjamin Saidon, 15 anos, um adolescente com síndrome de Down, tem a mesma rotina de aulas teóricas e práticas dos colegas do 9º ano. A professora-assistente, Roseléia Blecher, no entanto, percebe que ele entende melhor quando são oferecidas situações concretas (e pior quando em contato com fórmulas abstratas). "Ele precisa visualizar", diz ela.
Com essa informação em mente, Roseléia antecipa as diversas aulas que serão ministradas para a sala e pensa em como substituir pontos em que Ben, como ele é chamado, tem baixo aproveitamento por atividades que despertem mais interesse.
Uma dessas substituições ocorreu na aula sobre Termologia e Dilatação Térmica, ministrada por Arnaldo Ribeiro Alves, que leciona Física. Depois de explicar o conteúdo, ele usou um termômetro rudimentar, feito no laboratório da escola, para mostrar como o álcool se comporta ao ser aquecido e resfriado. Durante a aula prática, em que os adolescentes em grupos comparavam a altura do líquido em temperatura ambiente, mergulhado em um recipiente com gelo e em outro com água quente, Ben era um dos mais participativos.
Foi ele quem fez as marcas no tubo e, a seu modo, respondeu o que estava acontecendo com o álcool. "Aumenta no quente e diminui no gelado", concluiu. "Gosto de sentar com o Ben porque, enquanto pergunto se ele entendeu, eu mesma vejo se aprendi direito", diz a colega Tamara Aimi, 14 anos. "Quando ele sabe, fala de uma maneira tão simples que faz a matéria parecer mais fácil."
Em seguida, o professor Alves pediu que a garotada medisse com uma régua as marcas feitas nos termômetros em escala arbitrária e as comparasse com a escala Celsius. "Disse a quantos graus Celsius estava a água quente, e o gelo eles sabem que é zero. O desafio era encontrar uma fórmula para a temperatura ambiente", explica. Para que Ben acompanhasse também essa etapa, Roseléia o levou ao computador e mostrou na internet outras experiências de dilatação. "Fizemos a relação do que ele via nos vídeos com o que aprendeu e mostramos como aquilo se aplica em várias situações", conta.
Na avaliação, o jovem fez uma prova escrita como os demais, mas a dele pedia apenas a identificação de conceitos básicos, sem exigir contas, e permitia consulta às anotações. Para a psicopedagoga Daniela Alonso, especialista em inclusão e selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10, a verificação do aprendizado está correta. "Permitir a consulta valoriza o aprendizado e não só a memorização", explica a consultora. Alves ficou satisfeito com o resultado. "Perceber que ele entendeu um conceito como dilatação é encorajador."
Em outras palavras
Encorajador também é o caderno cheio de palavras da pequena Rafaela Gomes Bezerra, que tem síndrome de Down. Aos 7 anos, ela frequenta o 1º ano no Colégio Sagrado Coração de Jesus, também em São Paulo, e está em avançado processo de alfabetização. "Ela faz questão de fazer o mesmo que os colegas e me surpreende com seu progresso", conta a professora Camila Skalla de Lacerda, sem esconder que as dificuldades são maiores. "Pegamos o que é mais significativo em cada atividade e insistimos naquilo com calma. Baseado no que a Rafaela dá conta de fazer, reforçamos e estimulamos a atuação dela."
Quando trabalha contos de fada, como Cinderela, Camila procura atrair o interesse de toda a sala. Mostra o livro, fala sobre o autor, comenta as ilustrações e, finalmente, lê em voz alta. Depois da leitura, costuma fazer perguntas sobre os trechos de que os alunos mais gostaram e estimula comentários entre eles. Algumas vezes, as atividades incluem preencher uma ficha com o nome dos personagens de que se lembram. Rafaela escuta com o mesmo encantamento dos colegas, mas precisa de ajuda adicional. "Faço perguntas mais diretas para ela, como: quem está na história? Como é o nome da dona do sapatinho? Ela acaba conseguindo responder", conta Camila.
No momento da escrita, são necessários mais tempo e repetições. "Ela escuta a própria voz, percebe que o som é de determinada letra e começa a registrar, mas muitas vezes se perde. Então, recomeçamos e, no fim, lemos de novo. É um processo lento", afirma a professora. Daniela Alonso mostra que a flexibilização de conteúdo não vem sozinha. "Algumas vezes, o estudante com síndrome de Down demanda a eliminação de alguns objetivos e requer mais tempo. Não só para fazer a atividade mas também para alcançar a aprendizagem."
Em seguida, o professor Alves pediu que a garotada medisse com uma régua as marcas feitas nos termômetros em escala arbitrária e as comparasse com a escala Celsius. "Disse a quantos graus Celsius estava a água quente, e o gelo eles sabem que é zero. O desafio era encontrar uma fórmula para a temperatura ambiente", explica. Para que Ben acompanhasse também essa etapa, Roseléia o levou ao computador e mostrou na internet outras experiências de dilatação. "Fizemos a relação do que ele via nos vídeos com o que aprendeu e mostramos como aquilo se aplica em várias situações", conta.
Na avaliação, o jovem fez uma prova escrita como os demais, mas a dele pedia apenas a identificação de conceitos básicos, sem exigir contas, e permitia consulta às anotações. Para a psicopedagoga Daniela Alonso, especialista em inclusão e selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10, a verificação do aprendizado está correta. "Permitir a consulta valoriza o aprendizado e não só a memorização", explica a consultora. Alves ficou satisfeito com o resultado. "Perceber que ele entendeu um conceito como dilatação é encorajador."
Em outras palavras
Encorajador também é o caderno cheio de palavras da pequena Rafaela Gomes Bezerra, que tem síndrome de Down. Aos 7 anos, ela frequenta o 1º ano no Colégio Sagrado Coração de Jesus, também em São Paulo, e está em avançado processo de alfabetização. "Ela faz questão de fazer o mesmo que os colegas e me surpreende com seu progresso", conta a professora Camila Skalla de Lacerda, sem esconder que as dificuldades são maiores. "Pegamos o que é mais significativo em cada atividade e insistimos naquilo com calma. Baseado no que a Rafaela dá conta de fazer, reforçamos e estimulamos a atuação dela."
Quando trabalha contos de fada, como Cinderela, Camila procura atrair o interesse de toda a sala. Mostra o livro, fala sobre o autor, comenta as ilustrações e, finalmente, lê em voz alta. Depois da leitura, costuma fazer perguntas sobre os trechos de que os alunos mais gostaram e estimula comentários entre eles. Algumas vezes, as atividades incluem preencher uma ficha com o nome dos personagens de que se lembram. Rafaela escuta com o mesmo encantamento dos colegas, mas precisa de ajuda adicional. "Faço perguntas mais diretas para ela, como: quem está na história? Como é o nome da dona do sapatinho? Ela acaba conseguindo responder", conta Camila.
No momento da escrita, são necessários mais tempo e repetições. "Ela escuta a própria voz, percebe que o som é de determinada letra e começa a registrar, mas muitas vezes se perde. Então, recomeçamos e, no fim, lemos de novo. É um processo lento", afirma a professora. Daniela Alonso mostra que a flexibilização de conteúdo não vem sozinha. "Algumas vezes, o estudante com síndrome de Down demanda a eliminação de alguns objetivos e requer mais tempo. Não só para fazer a atividade mas também para alcançar a aprendizagem."
Para dar mais desse precioso tempo a Rafaela, sua mãe, Marisa Rogel Gomes Bezerra, concordou em deixar a filha refazer o 1º ano na escola. "Nós não temos pressa. Queremos vê-la alcançar os resultados, não importa quanto demore", diz. Os especialistas entendem que repetir uma série pode ser favorável, mas não a ponto de causar diferenças muito grandes de idade. A escola pode organizar o currículo e a progressão para atender às necessidades educacionais especiais. "Não vamos deixar que isso aconteça sempre, mas naquele momento valorizamos mais o proveito que ela tiraria dessa segunda chance. Acredito que acertamos", afirma Marisa.
A oportunidade de refazer uma série tão importante, em que se dá a alfabetização, pode ser considerada pela escola e pela família. Muitas crianças têm a chance de aproveitar melhor a escolarização, especialmente nos casos de deficiência intelectual, pois, em muitos casos, precisam de mais tempo para se desenvolver. A decisão de reter o aluno, no entanto, deve se basear em avaliações conjuntas dos especialistas, da família e da escola.
Para aprender decimais
AULA NA CANTINA Elaine usa situações práticas para ensinar números decimais a Rafaella
Na Escola Projeto Vida, em São Paulo, a memória comprometida da aluna Rafaella Bisetto Nazullo, 12 anos, e a necessidade de resolver problemas em situações mais contextualizadas para compreender estimulam a criatividade da professora de
Matemática Elaine Peres Ávila. Com microcefalia e ainda sem um diagnóstico preciso de deficiência intelectual, Rafaella cursa o 5º ano, sabe ler e escreve com dificuldade. No trabalho com os números, ela usa uma calculadora, mas o processo de compreensão exige atividades que despertem seu interesse.
Para ensinar decimais, Elaine usou anúncios de supermercado contendo as fotos dos produtos. "Procuro tirar os problemas de panf letos verdadeiros. Na sala dela, uso também propagandas de lojas de brinquedos", conta a educadora. Segundo ela, a diversificação agrada à turma toda.
A garotada generaliza, trabalhando o conceito de número decimal e sua aplicação em diferentes contextos, enquanto a menina, por enquanto, se concentra apenas no sistema monetário. "Às vezes, Rafaella acha que os colegas estão fazendo uma tarefa diferente e não gosta, mas, quando percebe que o caderno deles também está cheio de números com vírgulas, volta a se concentrar", diz. Estratégia comum na escola é a visita à cantina, onde a garota é estimulada a pensar em possíveis compras com uma determinada quantia em dinheiro. "Mostro que vários preços possuem vírgulas, ela tenta fazer as contas e, devagar, começa a entender."
Aulas assim surtiram um resultado que, não raro, surpreende a mãe da menina, Antonieta Helena Vieira Bisetto Nazullo. Ela conta que chegou a perguntar se a filha não deveria ter aulas só de Língua Portuguesa e Matemática para conseguir escrever e fazer contas. "Muitos médicos disseram que nem isso ela aprenderia. Por isso, eu buscava uma meta mais realista, sempre pensando em dar a ela alguma autonomia." Hoje, Helena comemora o fato de os professores terem negado seu pedido, o que proporcionou a Rafaella a chance de aprender também conhecimentos de História, Geografia, Arte e Ciências. "Outro dia, escutamos uma discussão sobre meio ambiente na TV e ela falou: aprendi isso na escola."
Quando menos é mais
Matemática Elaine Peres Ávila. Com microcefalia e ainda sem um diagnóstico preciso de deficiência intelectual, Rafaella cursa o 5º ano, sabe ler e escreve com dificuldade. No trabalho com os números, ela usa uma calculadora, mas o processo de compreensão exige atividades que despertem seu interesse.
Para ensinar decimais, Elaine usou anúncios de supermercado contendo as fotos dos produtos. "Procuro tirar os problemas de panf letos verdadeiros. Na sala dela, uso também propagandas de lojas de brinquedos", conta a educadora. Segundo ela, a diversificação agrada à turma toda.
A garotada generaliza, trabalhando o conceito de número decimal e sua aplicação em diferentes contextos, enquanto a menina, por enquanto, se concentra apenas no sistema monetário. "Às vezes, Rafaella acha que os colegas estão fazendo uma tarefa diferente e não gosta, mas, quando percebe que o caderno deles também está cheio de números com vírgulas, volta a se concentrar", diz. Estratégia comum na escola é a visita à cantina, onde a garota é estimulada a pensar em possíveis compras com uma determinada quantia em dinheiro. "Mostro que vários preços possuem vírgulas, ela tenta fazer as contas e, devagar, começa a entender."
Aulas assim surtiram um resultado que, não raro, surpreende a mãe da menina, Antonieta Helena Vieira Bisetto Nazullo. Ela conta que chegou a perguntar se a filha não deveria ter aulas só de Língua Portuguesa e Matemática para conseguir escrever e fazer contas. "Muitos médicos disseram que nem isso ela aprenderia. Por isso, eu buscava uma meta mais realista, sempre pensando em dar a ela alguma autonomia." Hoje, Helena comemora o fato de os professores terem negado seu pedido, o que proporcionou a Rafaella a chance de aprender também conhecimentos de História, Geografia, Arte e Ciências. "Outro dia, escutamos uma discussão sobre meio ambiente na TV e ela falou: aprendi isso na escola."
Quando menos é mais
LIÇÕES NO QUADRO As anotações de Caio são usadas pela professora para corrigir a ortografia e reforçar a alfabetização
Participar das mesmas atividades do restante da classe também é a filosofia adotada pela EMEF Olavo Pezzotti, em São Paulo, que faz apenas pequenas adequações para a inclusão de Caio Camargo Antonio, 13 anos, que tem síndrome de Down e está na 5ª série. "Pedimos que ele copie a lição do quadro-negro, como todo mundo. Depois, vamos até a carteira e vemos quanto ele conseguiu e o que consegue extrair daquilo", conta a professora de Língua Portuguesa Marisa Toledo. As palavras copiadas são usadas para correção de ortografia e reforços na alfabetização.
"No fim, as atividades dele são sempre diferentes das dos colegas, mas tentamos nos basear em algo que a sala toda esteja fazendo", afirma a professora. Nos primeiros dias de aula, por exemplo, enquanto as outras crianças se apresentavam, Caio copiou o nome de cada aluno na primeira página do caderno. Hoje, de todo o material que possui, a lista da turma é o que consegue ler com mais fluência. "Este é meu amigo. Esta mudou de escola", vai comentando depois da leitura lenta e concentrada.
Segundo Marisa, os próprios estudantes ajudam na flexibilização. "Às vezes, um vê o Caio fazendo algo errado e corrige, tentando ensiná-lo e fazendo com ele", conta. Segundo ela, a participação de outros colegas nas atividades costuma dar bons resultados. "Acho que esse é o maior ganho de todos. A convivência ensina muito."
"No fim, as atividades dele são sempre diferentes das dos colegas, mas tentamos nos basear em algo que a sala toda esteja fazendo", afirma a professora. Nos primeiros dias de aula, por exemplo, enquanto as outras crianças se apresentavam, Caio copiou o nome de cada aluno na primeira página do caderno. Hoje, de todo o material que possui, a lista da turma é o que consegue ler com mais fluência. "Este é meu amigo. Esta mudou de escola", vai comentando depois da leitura lenta e concentrada.
Segundo Marisa, os próprios estudantes ajudam na flexibilização. "Às vezes, um vê o Caio fazendo algo errado e corrige, tentando ensiná-lo e fazendo com ele", conta. Segundo ela, a participação de outros colegas nas atividades costuma dar bons resultados. "Acho que esse é o maior ganho de todos. A convivência ensina muito."
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CONTATOS
Colégio Sagrado Coração de Jesus, R. Caraíbas, 882, 05020-000, São Paulo, SP, tel. (11) 3202-8500
EMEF Olavo Pezzotti, R. Fradique Coutinho, 2.200, 05416-970, São Paulo, SP, tel. (11) 3032-9908
Escola Projeto Vida, R. Valdemar Martins, 148, 02535-000, São Paulo, SP, tel. (11) 2236-1425
Nova Escola Judaica Bialik Renascença, R. São Vicente de Paulo, 659, 01229-010, São Paulo, SP, tel. (11) 3824-0788
Colégio Sagrado Coração de Jesus, R. Caraíbas, 882, 05020-000, São Paulo, SP, tel. (11) 3202-8500
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Escola Projeto Vida, R. Valdemar Martins, 148, 02535-000, São Paulo, SP, tel. (11) 2236-1425
Nova Escola Judaica Bialik Renascença, R. São Vicente de Paulo, 659, 01229-010, São Paulo, SP, tel. (11) 3824-0788
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